domingo, 26 de agosto de 2012

A VIDA COMO ELA É POR "QUEER AS FOLK"



Foi em uma cena específica na metade do primeiro episódio de Queer As Folk, que me vi irremediavelmente apaixonado pela série. Na cena, os amigos de infância Bryan e Michael conversam no terraço do hospital onde Lindsay, a amiga lésbica de ambos, acaba de dar a luz a Gus, filho de Bryan, concebido por inseminação artificial.

Bryan, diante da vista iluminada de toda Pittsburg acende um cigarro e questiona Michael por não tê-lo impedido de ir adiante com a história de ter um filho. Michael rebate, afirmando que tentaram sim impedi-lo, porém os apelos de Lindsay foram mais convincentes, fazendo-o ceder. Ouve-se os primeiros acordes de "Proud", música desconhecida pra mim até então, na voz de Heather Small, cantora que também não conhecia, mas que me deixa arrepiado por inteiro. Na sequencia, Bryan sempre sarcástico dramatiza a situação e sobe na mureta do terraço, ameaçando se jogar se Michael não puxá-lo. Nervoso, Michael pede que ele desça e pare com a brincadeira. Bryan puxa-o pela mão e o convida pra voar, como os super-heróis das histórias em quadrinhos das quais ele é fã, abraça-o por trás com força e diz que é o super-homem que vai levá-lo pra sobrevoar o mundo e Michael pergunta em tom divertido por que ele tem sempre que ser a Lois Lane. Em seguida vira-se de frente para o amigo, beija-o e parabeniza por ser pai.

Após essa cena, que me fisgou de vez, seguiram-se 83 episódios que tomaram conta das minhas madrugadas insones por três inesquecíveis meses. Todos aqueles personagens tão humanos e marcantes fizeram parte da minha vida e continuarão por muito tempo em minhas ternas lembranças. Bryan, Justin, Michael, Ben, Emmett, Ted, Melanie, Lindsay, Debbie e companhia tornaram-se como amigos íntimos. Como não se envolver com personagens tão carismáticos e histórias tão tocantes? Como não chorar, como não sofrer, não sorrir, não se revoltar, não torcer, não vibrar, não parar pra pensar, não sentir, como não se identificar?

Eu me identifiquei, senti, vivi todas a sensações que essa série pode proporcionar. Me vi um pouco em cada personagem, alguns num grau maior que em outros, mas nunca distante por completo de algum deles. De algum drama ou emoção nunca fiquei completamente imune, por mais banal que pudesse parecer.

As vezes me via tão doce e equilibrado quanto Michael, carregando sua eterna paixão platônica por Bryan, o amigo garanhão. Me derretia por seu olhar de ternura. Mas também me identificava com alguns traços da personalidade de Ted e Emmett. A insegurança do primeiro, sempre em busca de um relacionamento, porém tolhido por sua baixa auto-estima. E a atitude do segundo, sempre vivaz, criativo, impondo sua personalidade meiga e delicada com firmeza e veemência, nem aí pra opinião alheia. 

Apesar de bem distante da personalidade de Bryan, me emocionava perceber a lealdade com que tratava os amigos, sempre procurando ajudar de alguma forma, mesmo tentando transparecer nenhuma preocupação com ninguém. No fim era sempre ele o solucionador dos maiores problemas, tornando-o o grande herói da história e redimindo-o de muitas falhas. Promíscuo, hedonista, insensível, cafajeste.

Justin, um pequeno notável, lindo, talentoso, apaixonado e cheio de coragem. Muitas vezes desnecessariamente agressivo, principalmente com a mãe, a compreensiva Jennifer. Os momentos de que mais gostava é quando ele demonstrava não viver só pra Bryan e distribuía atenção e gestos de carinho aos amigos, o que o tornava diferente do homem que amava e por isso um oposto interessante para o senhor Kinney, o complemento perfeito.

   

E que dizer das mulheres? Quem não queria ter uma Debbie Novotny por perto, como mãe, amiga, vizinha, tia ou simplesmente a atendente da lanchonete? Com seu jeito estriônico e extravagante, por muitas vezes enlouquecedor, mas sempre amável, alegre, otimista, transparente e acolhedora, lutando pelos direitos daqueles a quem ama e até pelos que não conhece? Eu queria.

Quem não queria ter uma mãe doce, afetuosa e compreensiva? Que mesmo assustada e sem entender direito a sexualidade e atitudes do filho adolescente, que começa a se descobrir homossexual, se tornando arredio e agressivo, tenta manter a serenidade e apoiar o filho em seu novo e tortuoso caminho. Quem não queria uma mãe como Jennifer? Eu queria.

Amigas como Lindsay e Mellanie, um casal sólido e seguro, mães de família, responsáveis, apaixonadas, politizadas, refinadas e generosas. Quem não queria amigas assim? Eu queria.

E como não citar a querida Daphne, uma fofa. Amadureceu com o amigo Justin. De garota feinha que perdeu a virgindade com o amigo gay e até se apaixonou por ele, tornou-se uma linda mulher, sempre presente e apoiando-o nos momentos mais importantes. Eu queria uma Daphne pra mim também.

Das cenas e situações mais marcantes é impossível citar todas, mas a dança de Bryan e Justin em sua festa de formatura foi demais, uma cena que sonhei protagonizar em toda minha vida e nunca houve, pelo menos até agora. As interpretações, a trilha sonora, a echarpe de seda branca, meu coração palpitando de emoção, foi tudo perfeito!


A festa de aniversário surpresa que Bryan dá a Michael, convidando uma colega de trabalho dele que acreditava que ele fosse hétero, apenas para desmascará-lo na frente dela, com o intuito de magoá-lo e fazê-lo se afastar de si, após pedido de Debbie para que o deixasse ser feliz com David, o então namorado. Uma atitude bem ao estilo Bryan de ser.

Dois momentos marcantes com Emmett e George, o namorado idoso do primeiro: um, quando Em leva seu "coroa" milionário a Babyllon e o apresenta aos demais amigos. Momento em que George mostra toda a sabedoria de um homem vivido e surpreende os rapazes, que já começavam a fazer comentários debochados, cativando-os. Dois, o ataque do coração de George, causando sua morte, após sexo com Emmett no banheiro de um avião.

Ben revelando a Michael que tem aids minutos antes da primeira transa, que não acontece.

Michael descobrindo ser alvo da paixão platônica de Ted, após remexer em suas coisas e encontrar fotos suas.

Bryan contando ao pai que é gay, e depois disso o velho vai visitá-lo e por acaso conhece o neto. 

David e Michael refazendo a cena de "A dama e o vagabundo", em jantar na casa de Debbie, onde os dois vão sugando um fio de espaguete até unirem seus lábios em um beijo.

Todos os amigos unindo-se para juntar dinheiro com a intenção de ajudar Bryan, que vendeu quase tudo que tinha de valor pra pagar uma campanha publicitária que derrubasse o candidato a prefeito homofóbico que ele mesmo ajudou a se candidatar com grande margem de votos. Cena linda e emocionante, onde todos os amigos contribuíram para retribuir ao cara que sempre se sacrifica pelos outros sem deixá-los saber.

Justin escolhendo ficar com Ethan e abandonando Bryan.

Debbie esbofeteando Bryan no velório de Vic.

Bryan contando a Debbie que tem câncer.

Bryan superando as limitações físicas de sua doença e chegando do Canadá a Pittsburg sozinho de bicicleta, apenas com o apoio moral de Michael, sendo recebido por Ben, Debbie e Justin.

A casa de caridade homenageando Vic Grassi, rebatizando-a com seu nome, mais uma obra de Bryan. 

Quando Bryan diz "eu te amo" para Justin.

Quando Bryan pede Justin em casamento e mostra a casa que ele comprou pros dois viverem no campo.

Ted confidenciando a Emmett em seu aniversário de 39 anos, que não desejará mais um namorado ou companheiro ao apagar as velas do bolo, porque enquanto ele procurar a pessoa nunca aparecerá e se a pessoa especial nunca aparecer ele ficará bem.

E finalmente a derradeira cena de Bryan dançando no "queijo' da babyllon, sozinho, sem justin, mais uma vez ao som da vibrante e perfeita "Proud". 

Chorei e ainda choro, por todas as lições que aprendi com Queer As Folk. Choro porque reflito cada dia que acordo pra uma nova vida, em cada pensamento, cada palavra, cada emoção que essa série provoca na gente. Choro porque ainda estou digerindo esse mar de sentimentos. Choro porque fui arrebatado. Choro porque amei. Porque me entreguei. Choro porque amadureci, assim como Bryan, e amadurecer dói. Choro porque Queer As Folk é vida. A vida como ela é...

 

domingo, 12 de agosto de 2012

UM CERTO RAMON

Como era belo aquele Ramon! Lembro-me de sua pele branca como leite, as faces rosadas, um corte de cabelo "tigela" mas despenteado sempre. Os olhos de brisa, ou "olhos de ressaca" como diria Machado de Assis. Dentes alvos, sem falhas, perfeitos que armavam aquele tipo de sorriso que te derrete lentamente como manteiga fora da geladeira.

Tinha um ar desligado, como se estivesse sempre fora de órbita, precisando ser chamado a realidade, possivelmente efeito da grande quantidade de maconha que fumava. Não se concentrava nos estudos. Era da turma do fundão. Andava com uns garotos escrotos, mas tinha um bom coração, aparentava ser doce, porém era um tanto quanto transgressor. Um doce transgressor. 

Dentre todos os garotos, Ramon era o único que não praticava o bully, isso me encantava ainda mais em sua intrigante personalidade. Tão diferente de Vinícius, seu melhor amigo, praticamente um ogro. 

Tantas coisas passavam pela minha cabeça quando pensava em Ramon. Não éramos amigos. Ele não falava comigo, mas alguma coisa em seu olhar dizia que eu podia me aproximar, dizer "olá", me desarmar. E por tantas vezes eu quis falar, cumprimentar, elogiar,mas não saí do lugar, ficava de longe só a observar. 

Equivalente a seu charme e beleza feminino, havia Rafaela. Linda, ela provocava inveja nas garotas e arrebatadoras paixões nos garotos. Em mim uma admiração suprema. Em meus devaneios, Ramon e Rafaela eram a síntese da perfeição e formavam o casal mais sensacional de todo o colégio. Queria vê-los juntos, apaixonados, vivendo uma grande e poderosa história de amor. Mas ambos eram muito diferentes. Rafa era princesinha, vaidosa, filhinha de papai. Ramon era irresponsável, lunático, livre. E não, eles não se apaixonaram perdidamente como eu gostaria.

E naquele ano que conheci Ramon, 1997, foi lançado no Brasil ROMEU + JULIETA, a versão de Baz Luhrmann para o clássico de Shakespeare. Uma versão moderna que serviu de inspiração para uma peça da escola dirigida por mim, onde ao escolher Ramon e Rafaela para os papéis principais, teria meu tão sonhando romance avassalador entre os dois. 

Todos os envolvidos estavam empolgados com seus respectivos papéis, mas ninguém estava mais nervoso e ansioso do que eu, que além de dirigir também atuaria como o personagem Mercúrio, o melhor amigo de Romeu, que morre tentando defendê-lo e após ser fatalmente ferido, Romeu o agarra em seus braços, soltando um violento grito de revolta e dor, e o carrega no colo numa longa sequencia. Minha expectativa para esse ensaio era tremenda. Imaginar-me nos braços de Ramon era um sonho encantado, que não se realizou.

Após muitas preparações, discussões, palpites e ilusões, o ator principal saiu de cena. Ramon deixou o colégio. Houve rumores de que se afastaria por longo tempo para tratamento numa clínica de usuários de drogas.

Assim, meio James Dean, Ramon sumiu por aí, deixando um rastro de mistério, sedução e transgressão. Deixando em mim uma sensação de alucinação e frustração. Afinal não teria sido tudo uma grande ilusão? Criação da cabeça de um jovem escritor cheio de imaginação? Terá existido mesmo um certo Ramon?