terça-feira, 14 de dezembro de 2010

LIBERDADE PARA AS BORBOLETAS - PARTE 1

Fazia pouco mais de um mês que Rodolfo tinha sido transferido da multinacional que trabalhava em São Paulo, para gerenciar uma filial recém inaugurada numa pequena cidade litorânea a alguns quilômetros de distância da capital.


Rodolfo estava numa fase tranquila e estável, exceto pela pequena crise dos trinta que se abateu sobre ele tão logo acabara de completar trinta e cinco anos. Isso ocorrera poucas semanas antes da transferência de emprego, de cidade, de vida. De repente sua vida deu um giro de 360 graus, mudou tudo e Rodolfo encarou as coisas de peito aberto, como uma nova oportunidade de recomeçar. Embora nunca tivesse se imaginado vivendo longe da paulicéia desvairada Rodolfo pensou que seria bom. Apesar da distância dos amigos e da vida social intensa que deixaria pra trás, também estaria deixando algumas tristezas e desilusões, como um longo relacionamento que havia acabado da maneira mais desastrosa possível e do qual ele ainda não havia se recuperado completamente, e para uma plena recuperação nada melhor que uma mudança radical. Novos ares, novas pessoas, a vida bem pertinho do mar, uma rotina novinha em folha. Rodolfo achou toda aquela história de promoção e transferência providencial.

Assim que se intalou no novo endereço, Rodolfo trocou as superlotadas academias de São Paulo por saudáveis caminhadas na areia da praia, onde de vez em quando podia parar para comtemplar o mar, as gaivotas, sentir a brisa no rosto e entre uma alongada e outra refletir sobre a brusca mudança em sua vida, em como tinha se tornado pacata e o quanto era agradável, apesar de em alguns momentos sentir um pouco de tédio, afinal desde que se entendia por gente ele era um homem urbano e cosmopolita até o último fio de cabelo, e se adaptar a pasmaceira de uma cidade com pouco mais de 50.000 habitantes não era assim tão fácil, mas estava indo bem.

Foi então que numa dessas caminhadas Rodolfo percebeu alguém numa bicicleta que parecia segui-lo à distância enquanto fazia seus exercícios na areia. Da primeira vez ignorou, na segunda ficou intrigado, na terceira encarou o homem tão furiosamente que este resolveu se aproximar e desfazer qualquer mal entendido. Rodolfo ficou receoso, não sabia o que pensar enquanto o rapaz caminhava em sua direção arrastando a bicicleta velha e enferrujada. Podia ser um delinquente, um psicopata ou quem sabe alguém interessado nele, de todas as opções a última era a que lhe causava mais arrepios. Preferia ser assaltado em plena luz do dia a beira-mar do que se envolver com alguém naquele momento de sua vida, mas fosse o que fosse o mistério estava pra acabar naquele instante.

O rapaz que aparentava ser bem jovem vestia um abrigo surrado, tênis velhos e boné de campanha eleitoral, apesar da aparência desleixada tinha um rosto bonito, Rodolfo reparou bem nisso, assim como nos profundos olhos verdes do rapaz, que meio tímido apresentou-se, disse que se chamava Yuri e que tinha reparado que Rodolfo era novo na cidade e queria conhecê-lo melhor, mas ficou sem jeito de chegar de cara e passou a observá-lo durante suas caminhandas. Notando que o rapaz era inofensivo e um tanto quanto ingênuo Rodolfo não quis ser rude, mas foi direto. Pediu que o garoto não o seguisse mais porque se sentia desconfortável e que não estava interessado em conhecer pessoas naquele momento. Decidiu correr o mais depressa que pôde de Yuri, deixando-o ali parado com ar perplexo e decepcionado.

Com o passar dos dias Rodolfo não conseguia tirar Yuri da cabeça, o rapaz havia parado de observá-lo durante seus exercícios na praia desde o dia em que tentou aquela frustrada aproximação e Rodolfo percebeu que sentia falta dos furtivos e distantes olhares do simplório rapaz. Até que num final de tarde qualquer, enquanto voltava caminhando pra casa após mais um dia de trabalho, Rodolfo foi surpreendido por Yuri aproximando-se sorrateiramente com sua inseparável bicicleta. O garoto o cumprimentou timidamente perguntando-lhe se ainda se lembrava dele. Rodolfo quase não conseguiu disfarçar um discreto sorriso, estava contente em vê-lo de novo, e desta vez foi mais receptivo ao rapaz. Conversaram um pouco até que decidiram tomar alguma coisa. Sentaram num bar e entre uma cerveja e outra conversaram amenidades. Enquanto Yuri falava com seu jeito rude e simples, Rodolfo percebia ali um diamante bruto pronto pra ser lapidado. Ficaram longas horas na mesa do bar e conforme a conversa avançava Yuri contava com muita naturalidade e nenhum aparente ressentimento a vida difícil que vivia ao lado mãe relapsa que nunca se preocupou muito com seus estudos e seu bem-estar. Apesar da maneira rústica e desleixada com que falava, como se aquilo não o afetasse, Rodolfo não conseguia deixar de se enternecer com a história triste daquele garoto de dezenove anos, de belo rosto que poderia ter grandes oportunidades se bem direcionado.

As horas passaram voando e ao ver que o bar começava a fechar as portas Rodolfo tomou a iniciativa de pagar a conta e se retirar. Na saída Yuri ofereceu-se para ir com Rodolfo até seu apartamento, mas este recusou prontamente a possibilidade. Prometeu a seu mais novo amigo que em outra oportunidade o convidaria para ouvir umas músicas e tomar um vinho em seu apartamento, mas não seria naquele dia. Yuri insistiu mais um pouco, mas Rodolfo foi firme em sua postura. Sabia muito bem o que o garoto queria e naquele momento isto ainda estava fora de cogitação. Nos últimos meses, Rodolfo não tinha nenhum interesse por sexo sua libido andava bem em baixa desde pouco antes do fim de seu último relacionamento, o que o fazia pensar que este seria um dos motivos da separação que lhe deixou marcas profundas de dor e tristeza.

Despediram-se então com um suave aperto de mão e foram para lados opostos. Sozinho no quarto à meia-luz, refestelado em sua enorme king-size Rodolfo pensava em Yuri e todas as possibilidades que ele poderia trazer a sua vida. Sentiu um desejo incontrolável de ajudá-lo, de transformá-lo, só não poderia se apaixonar de jeito nenhum,era o que repetia em seus pensamentos.